Um novo olhar por uma janela antiga
Não é
algo de novo que quero trazer. É algo comum que pretendo atrair à consciência.
Talvez por isso, por ser comum, aquilo que quero partilhar convosco corre o
risco de se esvanecer diante dos nossos olhos.
Há algum tempo
defendi a minha dissertação em Psicologia Clínica, sobre Autenticidade e
Bem-Estar. O arguente perguntou-me: “Que traz a sua dissertação de novo, em que
acresce ao que já se sabe?” Fiquei perplexa pois a relevância dos resultados
empíricos que obtive, tal como os li,
não estava em algo novo ou surpreendente mas em algo que, em maior ou menor
grau, nos acompanha desde sempre: auto alienação e não aceitação de si. São
dois dados tão conhecidos, tão
adquiridos que parecem inofensivos. Quem não se perdeu já em considerações
sobre como seria a sua vida se
tivesse outras condições, aptidões ou medidas? Quem não se queixa de algo que
lhe falta ou tem a mais? A insatisfação é uma espada de dois gumes! Pode
lançar-nos na Vida ou no Vazio.
Eis-me
então perante o desafio de agarrar em algo quotidiano
e insuflar-lhe interesse!
Tal como
me foi proposto, vou referir-me aos Homens
e Mulheres numa Igreja Serva e Pobre mas, antes disso, queria introduzir
três palavras que me ajudarão a abordar o tema: Habituação, Guardar e Finitude.
Vou ainda socorrer-me de algumas imagens da área da saúde e da psicologia, pois
são as que me são mais familiares e penso que servem o propósito de fazer-me
entender.
Habituação
É um
processo mental saudável mas, como em tudo, ‘não há bela sem senão’. Em que
consiste? Um exemplo simples: vivo há seis anos junto à linha de comboio de
Entrecampos e perto do Aeroporto. No primeiro dia em que dormi na nova casa
ouvi todos os comboios e aviões e não ‘preguei olho’. Agora não ouço comboios,
nem aviões, nem carros e eles passam bem perto todos os dias. O som destes
transportes tornou-se uma coisa tão adquirida, tão presente, tão comum que,
pouco a pouco, foi-se esvanecendo da minha atenção e passou de (saliente) figura a (plano de) fundo. E ainda bem que é assim ou já
teria enlouquecido...
A questão
é que não nos habituamos só a estímulos desagradáveis ou perturbadores. Podemos
habituar-nos a tudo o que está próximo, presente, que é constante no nosso
dia-a-dia, incluindo as pessoas (rotina!). Os seus movimentos, a sua maneira de
ser e pensar, o tom da sua voz pode tornar-se tão familiar que deixa de
despertar a atenção e chegamos a dá-las por adquiridas. São pessoas inerentes ao nosso mundo e, imperceptivelmente,
deixamos de dar por elas ou, pelo menos, pelo que elas representam para nós.
Passam também de figura a fundo… Recuperam a ribalta ao nosso
olhar quando, por alguma razão, percebemos quão significativas são como
acontece nos sustos, nos acidentes, morte ou então em celebrações festivas em
que elas são protagonistas.
Alienarmo-nos
do que nos envolve (ou de nós próprios) pode ir do normal ao patológico. Todos
nós já sonhámos acordados ou nos distraímos e isso é normal mas não conseguir
recuperar a relação consigo mesmo, com os outros ou com o meio envolvente é
patológico. Volto muitas vezes a uma imagem de Jeremias que me ajuda a
despertar dos sonos do ser humano
alienado: “Assemelha-se ao cardo do deserto, mesmo que lhe venha algum bem, não
o sente, pois habita na secura do deserto, numa terra salobra, onde ninguém
mora” (Jr 17,6).
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