«Cristãos perseguidos -
os mártires esquecidos»
Lisboa, 13 de Outubro
NOTA PRÉVIA
Estou aqui em
nome da Eng.ª Catarina Martins de Bettencourt, Directora da Fundação AIS, que
pede desculpa por não poder estar presente mas foi chamada para uma audição na
Assembleia da República nas Comissões dos Direitos Liberdades e Garantias assim
como na Comissão dos Negócios Estrangeiros.
Chamo-me Félix
Lungu, sou luso-romeno. Nasci do outro lado do Muro de Berlim, vivi na cidade de
Tomis, actual Constanta, algures “no fim do Império Romano”, lugar de exílio do
poeta Ovídio.
Cresci até aos 18
anos num prédio feio de quatro andares onde em cada piso havia famílias com
sensibilidades religiosas bem distintas:
havia ortodoxos, que eram a maioria, mas também católicos, protestantes,
muçulmanos e ateus e tudo isto debaixo de um regime comunista que, em teoria,
não era muito amigável às manifestações religiosas da população.
Pai de três
filhos, formado em teologia e marketing, com experiência de voluntariado de
dois anos em Moçambique, actualmente responsável pelo Departamento de
Comunicação da Fundação AIS.
FUNDAÇÃO AIS
A Fundação
Pontifícia AIS (Ajuda à Igreja que Sofre) é uma organização católica de
solidariedade que procura dar apoio pastoral às comunidades cristãs,
particularmente às que são perseguidas ou em necessidade. Foi fundada pelo
Padre Werenfried van Straaten em 1947, na Alemanha, para ajudar os refugiados
no final da Segunda Guerra Mundial. Mais do que um projecto de solidariedade
social, o trabalho da Fundação AIS deve ser entendido como um projecto de
reconciliação entre antigos inimigos.
O próprio
símbolo, o círculo vermelho, sugere um mundo dividido ao meio a lembrar a
Cortina de Ferro. Depois há o sinal da cruz de onde sai uma seta que atravessa
esta divisória em direcção ao oriente significa a força da fé em Jesus Cristo
que derruba as barreiras e aproxima as pessoas.
Efectivamente a
Igreja sofre na medida em que as pessoas que a compõem sofrem perseguições e
discriminação por causa da sua fé. Ajudar estas comunidades através da
informação, oração e partilha, constitui a missão da Fundação AIS.
Actualmente o
Cristianismo é a religião mais perseguida no mundo. Esta afirmação baseia-se no
mais recente Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo que a Fundação AIS edita periodicamente e onde dá conta de que mais
de 200 milhões de cristãos vivem com pouca ou nenhuma liberdade religiosa. O
estudo analisa a situação de cada uma das religiões dos 198 países.
Estima-se que
mais de 105 mil cristãos sofrem o martírio todos os anos (Massimo Introvigne).
Isto dá uma média de a cada 5 minutos um cristão morre por causa da sua fé.
Qual o crime que cometeram? Nenhum. São perseguidas apenas pelo facto de ter
fé, acreditar em Jesus Cristo, querer ir a igreja, rezar o terço, ter uma
bíblia em casa ou usar um crucifixo ao pescoço. Algo que para nós é tão banal,
em muitas parte do mundo pode ser motivo de discriminação, uma pena pesada de
prisão, tortura e até mesmo a morte.
Este estudo
regista um aumento efectivo e contínuo da perseguição religiosa. Na maior parte
dos países problemáticos, a deterioração das condições anteriores e o aumento
da perseguição deve-se em grande parte ao crescimento do fundamentalismo
religioso, particularmente o de cariz islâmico. Basta lembrar a Primavera
Árabe, a queda dos regimes ditatoriais no Norte de África e no Médio Oriente, o
vazio de poder e o surgimento dos movimentos de libertação popular assim como o
aproveitamento de todo este fenómeno por parte de grupos ditos religiosos, de
tendência radical e fundamentalista, entre os quais o Estado Islâmico (Daesh) é
o expoente máximo e com maior notoriedade nos últimos dois anos. No entanto,
não podemos esquecer a existência e actividade de grupos como o Al Qaeda, os
talibans no Afeganistão e Paquistão, a Irmandade Muçulmana no Egipto, o Al Shabaab
na Somália, o Boko Haram na Nigéria ou até o Abu Sayyaf nas Filipinas, grupos
estes que juraram fidelidade ao Estado Islâmico.
Importa dizer que
o Cristianismo não é de longe a única religião perseguida. No Médio Oriente,
por exemplo, os cristãos representam uma pequena minoria apanhada no meio dos
conflitos. Mas há outros grupos perseguidos como os yaziris, os turquemenes, os
armênios ou outros grupos muçulmanos como os xiitas.
Sem ter a pretensão
de fazer uma análise destes fenómenos, importa sublinhar alguns pontos para
aprofundar o nosso tema e suscitar alguns elementos para o debate que se quer a
seguir.
PERPLEXIDADE
Em primeiro lugar
ficamos perplexos com o silêncio dos meios de comunicação social em relação à
perseguição aos cristãos. Não é um tema que esteja na moda, mas também não pode
ser completamente ignorado. Será a perseguição religiosa um tema que interessa
apenas a direita política?
Pode parecer
anacrônico falar-se de uma Igreja perseguida numa Europa das liberdades onde já
não existe um ateísmo militante e onde o cristianismo é, pelo menos em termos
estatísticos, uma religião maioritária.
Não poucas vezes
a perplexidade estende-se também à indiferença que se encontra em algumas
comunidade cristãs que ignoram todo este fenómeno da perseguição religiosa,
para não falar da apatia em colaborar e apoiar estas mesmas comunidades que
clamam por ajuda.
A indiferença não
é uma opção. A indiferença é um crime.
ESPANTO
Porém, devo
sublinhar também o espanto que sinto ao lidar diariamente com os testemunhos
soberbos e a coragem de tantas pessoas que não renunciam à sua fé apesar das
ameaças ou do perigo que enfrentam.
Testemunho é a
tradução da palavra martyrium.
Na cidade de
Erbil, no Norte do Iraque, durante uma visita aos projectos apoiados pela
Fundação AIS, encontramos uma senhora idosa que ostentava uma cruz tatuada no
seu braço. Quando lhe dissemos que na Europa os cristãos andavam envergonhados,
como que escondendo a sua fé, a resposta da senhora foi muito corajosa: “Pois
nós aqui preferimos morrer do que esconder a nossa cruz."
É a mesma coragem
e coerência que encontramos nos mais de 120.000 cristãos que foram obrigados a
fugir e a abandonar as suas casas da Planície de Nínive quando o Estado
Islâmico os obrigou a abandonar a sua fé. Fugiram todos para não se converter
ao Islão.
Curiosamente,
hoje mesmo, no Paquistão estava agendada o recurso do julgamento da cristã Asia
Bibi, mãe de cinco filhos, que está na prisão há mais de seis anos, condenada à
pena de morte, por causa de uma acusação de blasfémia. Na sua defesa duas
pessoas importantes no Governo do Paquistão, o Governador da Província de
Punjab, Salman Taseer e o Ministro das Minorias, o católico Shahbaz Bhatti,
foram assassinados. A sua história dramática está a comover o mundo e apesar
dos esforços encetados para a sua libertação (há dias um grupo de 60
parlamentares portugueses entregaram uma carta na Embaixada do Paquistão pedindo
que esta cristã fosse absolvida), ainda não se sabe qual será o desfecho do seu
caso.
SINAIS
Devemos prestar
atenção a este sinal eloquente de coragem e coerência dos cristão perseguidos.
Eles não são uns “coitadinhos” mas antes um exemplo a admirar e seguir. Dizia o
Padre Werenfried que “os cristãos perseguidos são a elite da Igreja”.
Representam o melhor de nós!
Convido-vos a ouvir o texto do Evangelho de hoje:
"Intervieram, então, alguns doutores da Lei e
fariseus, que lhe disseram: «Mestre, queremos ver um sinal feito por
ti.» Ele respondeu-lhes: «Geração má e adúltera! Reclama um sinal, mas não
lhe será dado outro sinal, a não ser o do profeta Jonas. Assim como Jonas esteve no ventre do monstro marinho,
três dias e três noites, assim o Filho do Homem estará no seio da terra,
três dias e três noites. No dia do juízo, os habitantes de Nínive hão-de
levantar-se contra esta geração para a condenar, porque fizeram penitência
quando ouviram a pregação de Jonas. Ora, aqui está quem é maior do que
Jonas! (Mateus 12, 38-41)
É preciso
despertar para a realidade, querer saber o que se passa, estar atento e não
ficar indiferente. (ver vídeo Wake Up)
Precisamente
porque somos cristãos e partilhamos o mesmo horizonte de fé, devemos acreditar
que o amor é mais forte e que a morte não tem a última palavra. Devemos
preservar a esperança num futuro melhor e na bondade do ser humano.
DESAFIOS
Em jeito de
conclusão, gostaria apenas de enumerar alguns desafios que toda esta realidade
nos coloca hoje a cada um de nós.
Em primeiro lugar
o desafio de entender que o respeito pela dignidade da pessoas humana é o ponto
de partida para qualquer atitude de diálogo e o lugar do encontro por excelência
com o outro.
Decorrente deste
ponto está o desafio do diálogo inter-religioso e o respeito pela liberdade
religiosa de cada ser humano. A diferença do outro não pode ser vista como uma
ameaça mas deve ser recebida como uma oportunidade única de encontro e ocasião
de enriquecimento mútuo.
Talvez no nosso
contexto europeu o desafio mais urgente seja o combate a cultura de medo e
insegurança. É preciso combater a xenofobia e qualquer outro tipo de
discriminação.
Por fim, o
desafio de aprender a cultivar uma cultura de compaixão e misericórdia (ver Mensagem do Papa
Francisco)
Muito obrigado
Félix Lungu |
felix.lungu@fundacao-ais.pt
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