Mas o que é o “Diálogo”? Dialogar significa afinal conversar, neste caso entre os três .
interlocutores. E para que o diálogo não seja de surdos, como se costuma dizer, ou seja, aquele em que nenhum dos interlocutores está de facto a entender os outros, há que assentar nalguns pontos fundamentais para que efecEvamente possamos conversar e, o que é mais importante, fazermo-nos entender.
Para que o diálogo seja mutuamente fruhfero, há que estabelecer regras que devem ser observadas quando comparamos religiões no contexto de um diálogo.
A primeira regra impõe que se compare o que é comparável e, em segundo, permiEr aos outros que se definam.
A primeira regra é logo infringida quando o crente de uma das religiões compara as suas tradições, na sua forma ideal, em relação a determinados aspectos menos posiEvos das religiões dos outros, vistos sempre da perspecEva da sua própria religião.
A segunda regra é a de deixar que os outros definam a sua própria religião e que se abstenham de definir a religião dos outros de modo a realçar os seus próprios valores que atribui de algum modo superioridade. Quer isto dizer, por exemplo, que nós muçulmanos não devemos tentar construir uma versão Islamizada das outras tradições religiosas, devendo dar atenção à forma como os crentes das outras religiões veem as suas próprias tradições de modo a que o enfoque esteja nos aspectos centrais e não nos que são meramente periféricos para os crentes dessas outras religiões.
Se me permitem abriria aqui um parêntesis para recordar um excerto do discurso proferido pelo Papa João Paulo II, por ocasião do Dia Mundial da Paz, a 8 de Dezembro de 2000 em que disse e passo a citar:
“O diálogo leva a reconhecer a riqueza da diversidade e predispõe os ânimos para a recíproca aceitação, em ordem a uma autên7ca colaboração, de acordo com a primordial vocação à unidade de toda a família humana.
Como tal, o diálogo é um instrumento sublime para realizar a civilização do amor e da paz, que o meu venerando predecessor Papa Paulo VI indicou como o ideal que deve inspirar a vida cultural, social, polítca e económica do nosso tempo. No início do terceiro milénio, é urgente propor novamente o caminho do diálogo a um mundo atribulado por demasiados conflitos e violências, por vezes desanimado e incapaz de perscrutar os horizontes da esperança e da paz”.
Voltando ao nosso tema, o diálogo inter-religioso só será mutuamente fruhfero se cada uma das religiões em diálogo tentar encontrar pontos que as unem pondo de lado os que as separam. Em suma, não haverá verdadeiro diálogo a não ser que queiramos compreender e perceber a verdade das outras sem impor, a qualquer delas, a nossa. Porque afinal, a Verdade Divina é só Uma.
Cada um de nós tem uma abordagem diferente dessa mesma Verdade. Só no Dia do Juizo Final, quando nos reunirmos todos perante o Senhor, viremos a descobrir a Verdade Divina que é Eterna.
Para voltar agora à perspetiva Islâmica do diálogo inter-religioso, chamava a vossa atenção para a invocação inicial feita do nome de Deus por um muçulmano que mostra bem não ter qualquer natureza exclusivista.
Deus para os muçulmanos é o mesmo Deus dos Judeus e dos Cristãos. Como se sabe, Allah é apenas a palavra árabe para Deus. O Criador é o mesmo, chame-se Elohim, Alaha ou Allah.
Para reforçar esse argumento, gostava de citar o nosso Livro Sagrado, o Alcorão, que nos alerta para a pluralidade da Criação, das comunidades humanas e da própria diversidade religiosa como um desígnio de Deus.
Ora, no Alcorão, pode ler-se no Cap V, versiculo 48 o seguinte: “E revelamos-te a > (a Muhammad) o Livro (o Alcorão) que na verdade confirma o conteúdo dos Livros anteriores...” e continuando, no mesmo versículo, lê-se “A cada um de vós Revelámos uma lei e um sistema.
Se Deus quisesse teria feito de vós uma única nação, mas quis testar-vos naquilo que preceituou para vós, portanto, emulai-vos pela virtude. O vosso propósito é para com Deus. É ele que vos mostrará a verdade das vossas contendas”. Portanto vendo cada um de nós a aproximação ao mesmo Criador por caminhos diferentes, devemo-nos emular na realização do Bem e da Justiça deixando o julgamento final a Deus que é o nosso Árbitro e Juiz.
A visão Islâmica, até porque é a religião mais recente das três, é Globalizante. O Islão é a reafirmação e recristalização das tradições semíEcas que antecederam e, portanto, não pode deixar de se relacionar com as duas outras religiões da família Abraâmica. O Islão está intimamente ligado às tradições Judaica e Cristã e, tal como estas duas últimas, vai buscar as raízes em Abraão. Essa relação, fazendo parte integrante da tradição Semítica, está alicerçada no Islão, a tal ponto de não haver Islão sem essa ligação.
O Islão reconhece que os Judeus e os Cristãos receberam mensagens de Deus através dos seus Mensageiros, neste caso Moisés e Jesus (que a Paz e Bênçãos de Deus estejam com eles). Portanto, Judeus e Cristãos são povos que seguem religiões reveladas. Nenhum muçulmano pode negar isso sob pena de trair a sua própria fé.
A propósito cito agora mais alguns textos Alcorânicos como é o caso do versículo 136 do capitulo 2 onde se lê: “Dizei: nós (muçulmanos) acreditamos em Deus, no que foi revelado por Ele a nós, a Abraão, Ismael, Isaac, Jacob e às tribos, a Moisés e a Jesus e em todas as revelações feitas a todos os profetas. Não fazemos dis>nção alguma entre uns e outros. E somos submissos a Deus” isto é, somos Muslim.
Ainda o versículo 46 do cap 5, onde se lê: “E depois deles, Nós enviamos Jesus, filho de Maria, confirmando o que havia sido revelado antes da Torah. E Nós demos-lhe o Evangelho que contem a Orientação e Luz e que confirma a Torah um guia e exortação para os que temem Deus”. E cito ainda o versículo 62 do cap 2 em que se lê: “Os crentes, os Judeus e os Cristãos e os Sabeus, quem crê em Deus e no Dia do Juízo Final e praEcam o Bem, terão a recompensa do Senhor. Eles não deverão temer nem se atribularão”. E ainda o que está no versículo 46 do capitulo 29 em que se lê: “Dizei (aos Judeus e aos Cristãos): Nós (Muslims) acreditamos no que nos foi revelado, bem como no que vos foi revelado. O nosso Deus e o vosso Deus é um só e o mesmo. Submetemo- nos a Ele”.
Portanto, os Muçulmanos veem os Judeus e Cristãos como seus irmãos na fé, na submissão a Deus que é único e o mesmo para todos. Naturalmente que haverá alguns pontos de divergência mas esses devem ser vistos como disputas domésEcas e de somenos importância”.
O que se disse da visão do Islão não deve surpreender na medida em que é a religião mais jovem e surge como reafirmação das mensagens anteriores e reconhece a sua raiz Abraâmica. Já quanto ao Judaísmo e ao Cristianismo, ambos evoluíram ao longo dos tempos e hoje têm ambos visões muito liberais a respeito da não exclusividade da sua verdade, como sendo a única que leva à salvação. Naturalmente que há em todas as três muitos crentes, mas que consEtuem uma minoria, que são mais conservadores e que perfilham ainda a ideia de que a sua é a única verdade e a única via da salvação. Estes não aceitam o diálogo inter-religioso com o intuito de conseguir a sua acção de proseliEsmo.
Não queria deixar de referir que se fala muito ulEmamente da Ummah, que é o termo corânico que traduz a comunidade dos crentes, um grupo de pessoas que têm algo de importante em comum. Ora os Judeus, os Cristãos e os Muçulmanos consEtuem uma Ummah porque eles têm em comum uma preocupação séria em relação ao monoteísmo. Mas não é só o monoteísmo que as une.
Existem, como foi dito, laços históricos, geográficos e culturais e mesmo étnicos que reforçam ainda mais o conceito da Umma e que, mais precisamente, deveria ser a Ummah Abraâmica. Foi esta a forma como o nosso Profeta Muhammad (que a Paz e Bênçãos de Deus estejam com ele) definiu a comunidade dos judeus, cristãos e muçulmanos em Medina quando quis fundar uma sociedade multi-religiosa no primeiro Estado Islâmico que foi constituído na altura.
Desta forma acredito que o entendimento entre as três religiões é exequível se aceitarmos que apesar das diferenças é possível construir pontes que terão como pilares os pontos comuns que elas têm. Direi mesmo que o elemento comum que os Judeus, os Cristãos e os Muçulmanos têm é Abraão (que a Paz e Bênçãos de Deus estejam com ele). Para nós muçulmanos é fácil porque o Alcorão dá-nos essa perspetiva. Mas também os ensinamentos na Bíblia sobre Abraão fornecem aos Judeus e Cristãos o que é necessário para esse denominador comum entre as três religiões. Basta que os Judeus, os Cristãos e os Muçulmanos sigam os ensinamentos do Grande Patriarca para que haja essa unidade na diversidade dos seguidores das três religiões.
Ora os ensinamentos de Abraão resumem-se em três princípios fundamentais: Verdade, Moralidade e Coexistência.
Foi dentro desse espirito de união entre as três religiões Abraâmicas que em 2007, foi criado o Fórum Abraâmico que apenas confirma experiência bem sucedida que Evemos há meio milénio neste território.
É a chamada simbiose Andaluza que é um bom exemplo a seguir mas hoje não só entre as religiões Abraâmicas mas também incluindo muitas outras que temos actualmente em Portugal.
A esse respeito temos Edo uma muito agradável experiência nos diálogos que temos vindo a promover entre os crentes Abraâmicos e também de muitas outras crenças,
como os Budistas e os Hindus e vamos ainda mais longe, trazendo ao diálogo também os que não acreditam em Deus (os ateus) e outros que têm dúvidas sobre a existência de Deus (os agnósEcos que foi o que aconteceu quando Evemos encontros sobre a “Compaixão” lançado pela conhecida escritora Karen Amstrong.
A nossa experiência tem sido bem sucedida, graças a Deus, e a conclusão é de facto importante que todos os Homens e as Mulheres independentemente das suas crenças ou não crenças sejam envolvidas num esforço conjunto que vise evitar a completa desumanização do mundo.
Só todos juntos poderemos contribuir para a Paz e cimentar um futuro onde todos os povos se respeitem, se aceitem e possam construir um mundo visivelmente melhor e mais justo.
A propósito, cito a seguir uma passagem do Alcorão em que se lê no versículo 20 do cap 17: “a todos (crentes e descrentes) chegam as dádivas do teu Senhor. As dádivas do teu Senhor não são negadas a ninguém”.
Como muçulmano, creio que esta passagem do nosso Livro Sagrado, é suficiente para me fazer acreditar que é possível coexistir e que portanto vale a pena continuar a tentar encontrar o caminho da conciliação e, para isso, a melhor via, é sem dúvida através do DIÁLOGO.
Que a Paz e Bênçãos de Deus estejam convosco.
ORAÇÃO ECUMÉNICA, UNIVERSAL e ABRANGENTE:
Senhor, Tu És a fonte da vida e da paz; Louvado seja o Teu Nome para sempre; Sabemos que Tu Orientas as nossas mentes para pensamentos de Paz; Ouve as nossas preces em tempos de crise; O Teu Poder transforma os nossos corações; Judeus, Cristãos e Muçulmanos, lembram-se e afirmam convictamente que seguem o mesmo Deus, que são filhos de Abraão e por isso irmãos e irmãs; Os outrora inimigos começam a dialogar entre si; Aqueles que estavam em desavença, juntam as suas mãos em amizade e fraternidade; Juntas, Nações anseiam por caminhos da Paz.
Que Deus, Nosso Senhor, fortaleça a nossa determinação para dar testemunho a estas verdades pela forma como vivemos. Fortifica a nossa determinação para evidenciar estas verdades através das nossas acções.
Senhor dos Mundos, Tu que És o Criador do Universo e de toda a Humanidade, dos filhos de Abraão e de todos os outros homens e mulheres, qualquer que seja a sua Fé e mesmo daqueles que não têm qualquer Fé ou convicção religiosa.
Dai-nos:
Compreensão para acabar com os conflitos; Compaixão para apagar o ódio; Perdão para superar a vingança.
Faz com que todos os povos vivam de acordo com a Tua Lei do Amor.
Que Deus, Beneficente e Misericordioso, nos Guie a todos pelo Bom Caminho e nos Ajude a edificar um mundo em que estejamos todos irmanados em Deus.
Ameen.
Que Deus Nosso Senhor nos dê a todos essa virtude e saber para levar a cabo essa nobre missão.
Waleikum Assalam
ou
Que a Paz e Bênçãos de Deus estejam convosco.
Abdool Karim Vakil
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