O CRC é um espaço de diálogo entre cristãos de diferentes sensibilidades, e entre cristãos e não cristãos.

5 de dezembro de 2005

CRC 30 Anos

No sábado 3 de Dezembro foi feita a comemoração dos 30 anos do CRC.
Aqui está o texto da intervenção do José Leitão:


CRC – TRINTA ANOS DE PRESENÇA CRISTÃ

O Centro de Reflexão Cristã é, como todos sabeis, uma Associação espontânea e livremente constituída por leigos, religiosos, uma ou outra comunidade e movimentos cristãos, agindo sobre a sua exclusiva responsabilidade.
Completou já trinta anos de existência e faço votos que este encontro mais do que olhar para trás permita identificar linhas de acção para o futuro.
O facto de já ter trinta anos, durante os quais foi pioneiro em muitas áreas de reflexão e investigação, mostra que tinha razão de ser, e acrescento que continua a ter um lugar singular no quadro da Igreja e da sociedade portuguesa. Só permanece o que é e se torna imprescindível.
Não sou historiador e, por isso, não irei abordar estes trinta anos como tal, espero que outros o venham a fazer.
Constato no entanto, que hoje existe a tese de doutoramento da Catarina Silva Nunes, que nasceu um ano após a fundação do CRC, que faz uma aproximação ao que tem sido a intervenção de CRC, e que felizmente está publicada sob o título Compromissos Incontestados. A auto-representação dos intelectuais católicos portugueses, Edições Paulinas, Fevereiro de 2005 e que o Paulo Fontes publicou um texto interessante no 3.º volume da História Religiosa de Portugal, edição Círculo de Leitores.
É enorme a riqueza de vida que por ele tem passado: ideias, esperanças, amizades, redescobertas do sabor libertador da fé, experiências de celebração e oração.
Vale a pena tentar perceber em que medida o CRC tem conseguido concretizar o que foi definido como constituindo a sua identidade e os seus objectivos.
O art.º.2º dos Estatutos define como objectivo do Centro “o estudo da Teologia para crescimento na fé cristã, ao serviço da evangelização e da libertação, inicialmente do Povo Português, actualmente da Pessoa Humana” num registo que, creio, pretende ser mais universalista.
Para a realização dos seus fins, o Centro propõe-se, sobretudo através do trabalho cooperativo dos seus membros
a) promover e efectuar cursos, conferências, palestras, jornadas de estudo, seminários e congressos;
b) investigar e aprofundar teologicamente as experiências que grupos de cristãos estejam a viver no sentido da evangelização libertadora;
c) fomentar a constituição e funcionamento de grupos de trabalho ou de investigação em domínios ligados à sua actividade;
d) promover a edição de publicações.
Previa-se também a criação de um centro de documentação, que foi eliminado, por razões que ignoro, dos objectivos na última reforma estatutária.
Creio que muitos destes objectivos têm estado presentes nas actividades desenvolvidas pelo CRC nestes trinta anos., em que funcionou como incubador de iniciativas, muitas das quais pelo seu próprio sucesso deram origem a novas realidades.
O CRC promoveu, por exemplo, numa nova abordagem da história da Igreja, tendo contado com a colaboração do José Mattoso, sendo muitos dos que participaram nesta iniciativa hoje docentes, nesta área, na Universidade Católica Portuguesa.
O Departamento de Pesquisa Social, uma das muitas iniciativas da Manuela Silva, desenvolveu trabalhos em torno da pobreza e da exclusão social, e também sobre o que então foi designado por “minorias étnicas pobres”, numa época em que eram raros os estudos sobre a imigração. O Departamento viria a estar na origem de um centro de investigação, totalmente autónomo conhecido hoje como CESIS.
O CRC participou também activamente em múltiplas realizações sobre o lugar e a participação das mulheres na vida da Igreja.
Merece uma referência especial a continuidade e a qualidade, que apesar das dificuldades económicas, tem tido a revista Reflexão Cristã, bem como iniciativas marcantes como têm sido as Conferências de Maio.
O CRC foi o espaço onde se realizaram as primeiras iniciativas de diálogo inter-religioso, reunindo cristãos, muçulmanos e judeus, que há que prosseguir de forma mais organizada e sistemática.
Outras iniciativas extremamente interessantes não conseguiram a mesma continuidade. Refiro-me, por exemplo, aos Cadernos de Estudos Africanos, dirigidos pelo Frei Bento Domingues, que foi uma das iniciativas de diálogo com os cristãos de África através da atenção à teologia africana, que está tão ausente da Igreja portuguesa, apesar da África estar aqui tão perto e aqui tão dentro.
Sendo um espaço de reflexão, entendeu, por vezes tomar posições sobre questões concretas, pelo menos há mais de quinze anos, como a situação nas prisões, a lei de segurança interna, os salários em atraso, os efeitos da crise económica, o direito à objecção de consciência.
Mas o que considero ser um dos contributos mais continuados do CRC é o de procurar reflectir sobre os desafios da mutação cultural e a necessidade de pensar a presença dos cristãos e da Igreja numa sociedade democrática, plural e laica.
O facto de não ter desaparecido, como aconteceu com outras iniciativas, demonstra que é necessário institucionalizar minimamente a espontaneidade e a criatividade, recusar o espírito de seita iluminada e abrir-se permanentemente ao diálogo com outros grupos cristãos e não-cristãos, manter liberdade de iniciativa e de expressão, mas ter, ao mesmo tempo, um muito claro sentido de comunhão eclesial.
O CRC tem sido um espaço em que cristãos, a partir do seu empenhamento diverso e plural na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, procuram reflectir sobre o sentido a dar a tudo isso à luz da sua fé no Deus de Jesus Cristo.
Há que reconhecer que muitos dos objectivos não têm sido prosseguidos, ou então têm-no sido com descontinuidade.
Temos de reconhecer que temos contribuído para a reflexão cristã, mas não para a investigação teológica. Por outro lado, O CRC não está a promover suficientemente o trabalho cooperativo dos seus membros, fomentando o funcionamento de grupos de trabalho ou de investigação em domínios ligados à sua actividade, tendo no seu historial muitas iniciativas interessantes neste domínio, que deram origem a publicações.
Não sendo o CRC uma comunidade não quero terminar sem deixar duas observações sobre esta questão.
A primeira prende-se com um encontro que tive quando fui Presidente do CRC com o Cardeal D. António Ribeiro. Discutia-se, então, se o CRC se deveria integrar organicamente na Igreja, tendo em conta as possibilidades abertas pelo novo Código de Direito Canónico. D. António Ribeiro entendia que não era necessário, o facto de sermos uma associação civil permitia uma maior liberdade de iniciativa no diálogo com os não-crentes e, sobretudo, acolher os que não sendo praticantes se sentiam atraídos por Jesus Cristo, embora tivessem reservas relativamente à Igreja. Caber-nos-ia avivar a chama que fumega e promover celebrações da fé, que não fossem necessariamente de natureza eucarística.
Tudo isto prende-se com uma ideia que julgo vale a pena considerar. Não sendo o CRC, uma comunidade, interrogo-me, se não seria de promover uma maior ligação com a Capela do Rato, e com a celebração das sete horas de sábado, ou com outras liturgias que se considere deverem ser promovidas.
A segunda e última observação que queria deixar era no sentido do CRC aproveitar a comemoração deste aniversário, não para qualquer reflexão hamletiana sobre a sua existência, mas para se abrir à entrada de novos sócios, que representem melhor a pluralidade crescente da sociedade portuguesa aos quais caberá promover a celebração dos próximos aniversários.

José Leitão

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