O CRC é um espaço de diálogo entre cristãos de diferentes sensibilidades, e entre cristãos e não cristãos.

21 de maio de 2007

O que faz correr a JOC

Intervenção de Maria das Neves, coordenadora nacional da JOC - Juventude Operária Católica, na 2ª Conferência de Maio, 2007


O que vou partilhar convosco são sentimentos e convicções não apenas meus mas dos militantes da JOC – Juventude Operária Católica. No fundo vou partilhar aqui o que faz correr a JOC, e procurar chegar a cada vez mais jovens, especialmente os que sentem mais na pele as consequências do mundo do trabalho.
Para quem não conhece, a JOC é um movimento especializado da Acção Católica que procura formar jovens no projecto libertador de Jesus Cristo. O nosso método é a Revisão de Vida: ver a realidade, julgar e aprofundar a mesma realidade com as lentes do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja e agir, procurando através de acções transformadoras, pessoais e de grupo mudar essas mesmas realidades.

O que faz a JOC correr perante esta dimensão humana do trabalho é acreditar que é possível e urgente, tendo em vista a felicidade dos Homens, uma nova forma de olhar e viver o trabalho. Nós acreditamos na visão cristã reflectida no livro do Génesis e na encíclica “Trabalho Humano” de João Paulo II.

No livro do Génesis Deus, após ter criado o mundo, diz ao homem e à mulher “Crescei e multiplicai-vos. Enchei e dominai a Terra.” Deus confia à Humanidade a responsabilidade de continuar a obra da Criação que Ele iniciou. O meio que o Homem tem para desenvolver esta missão confiada por Deus, é o seu trabalho.

“Na Palavra da Revelação Divina acha-se muito profundamente inscrita esta verdade fundamental: que o Homem, criado à imagem de Deus, participa mediante o seu trabalho na obra do Criador e, num certo sentido, continua, na medida das suas possibilidades, a desenvolvê-la e a completá-la, progredindo cada vez mais na descoberta dos recursos e dos valores contidos em tudo aquilo que foi criado.” (LE, 25)

Esta missão é dada a cada um de nós sem excepção. Faz parte da existência e da vida humana dar continuidade à Obra que Deus iniciou. Ninguém pode demitir-se, nem ser excluído desta responsabilidade.

Todos têm o seu lugar. A obra é grande e cada um é chamado a dar o seu contributo conforme as suas capacidades e dons. Cada pessoa tem algo de importante a dar, que não é necessariamente igual ao que o outro pode dar, porque cada homem e cada mulher comporta unicidade e especificidade que o distingue dos outros. Cada um contém características, gostos, sensibilidades, capacidades e dons que postas ao serviço da comunidade tornam esta mais diversificada e por isso mais rica.
Deste modo, o trabalho humano é fonte de partilha e de solidariedade entre todos os Homens. É o meio de cada um pôr a render os seus talentos com vista a dar resposta às necessidades da Humanidade e por isso contribuir para o bem comum. A dignidade e importância do trabalho não vem do tipo de trabalho mas do facto de ser uma pessoa que o executa. Uma pessoa consciente de si mesma e do que a rodeia. Uma pessoa livre, capaz de decidir por si e responsável pela sua vida e pelo presente e futuro da sociedade.

Assim notamos que o trabalho congrega em si duas dimensões essenciais do Homem, a dimensão pessoal e a social, o que nos permite dizer que o “trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial de toda a questão social, se nós procurarmos vê-la verdadeiramente sob o ponto de vista do bem do Homem”. (LE, 3)

Como cristãos temos que anunciar que o centro do trabalho é sempre o Homem. Que “o trabalho é para o Homem e não o Homem para o trabalho” (LE, 6).
Esta verdade, que constitui num certo sentido a medula fundamental e perene da doutrina cristã sobre o trabalho humano, teve e continua a ter um significado primordiais para a formulação dos importantes problemas sociais ao longo de épocas inteiras. (LE, 6)

Para nós cristãos, o trabalho nunca pode ser fonte de exploração ou violência, atrofio da criatividade ou da liberdade, submissão de uns face ao poder e capital de outros, desigualdades salariais e sociais cada vez gritantes e taxas de desemprego e precariedade cada vez mais elevadas. Estas realidades nós sentimo-las hoje…

Testemunhos

Natural de Castelo Branco, Soraia mudou-se para Leiria em busca de melhores oportunidades. Habilitada para leccionar a disciplina de Educação Visual e Tecnológica, candidatou-se ao Ensino Básico para aumentar as possibilidades de colocação. Depois de quatro anos consecutivos a leccionar, 2006 revelou-se um ano de revezes profissionais – passou por quatro escolas, sempre com contratos de substituição. Sem perspectivas de emprego certo, todos os projectos pessoais ficaram adiados. (…)
A professora casou, há 2 anos, mas não pensa em constituir família, devido às dificuldades económicas. O sonho de ter um filho fica adiado até melhores dias.

Depois de constantes promessas de que a situação precária dos profissionais de saúde seria resolvido, Nuno está há 3 anos a trabalhar com contratos a prazo, por três meses, renováveis automaticamente. Antes, assinou outro contrato temporário, por oito meses, mas no IPO do Porto. E sabe de outros colegas na mesma situação há cerca de oito anos, o que o faz perspectivar um futuro, a médio prazo, de precariedade laboral. “ Não tenho independência para pedir um empréstimo.”
(excertos retirados da revista FOCUS, n.º 390)

“Nunca pensei em voltar a emigrar, visto que já tinha tido uma pequena experiência na Suíça, no início do meu casamento. Como já tinha uma noção do sacrifício de estar longe de tudo e de todos, jamais queria repetir tal experiência. Só que a vida muda, e quando temos os filhos como nossa prioridade abdicamos de outras coisas. O meu marido ficou desempregado e sem grandes perspectivas, eu ganhava pouco mais do que o salário mínimo e não podíamos aguentar por muito tempo essa situação. (…) O meu marido foi primeiro e ao fim de nove meses, eu e a minha filha partimos para o Luxemburgo.” (Sandra, 28 anos)
(retirado do JO – Juventude Operária, n.º 608)

Os 1300 funcionários da multinacional alemã de calçado Rohde manifestam-se amanhã em frente à Câmara de Santa Maria da Feira (…) Os trabalhadores da Rohde estão apreensivos. “Não tenho moral para trabalhar, não tenho rendimento. Não tenho pão para os meus filhos”, desabafa um dos operários no plenário que ontem teve lugar no exterior do recinto da unidade fabril. (retirado Público, 15/03/2007)

Sou trabalhadora-estudante num hipermercado em part-time. Neste emprego ao chegar atrasada 5 min são-me descontados 30 min no salário. Apesar de algumas vezes fazer horas extraordinárias não me é acrescentado nada mais no salário. (Andreia, 19 anos)

Trabalhar a recibos verdes é muito incerto e levanta-nos grandes problemas. Nunca sabemos quando vamos receber. Somos obrigados a passar recibos verdes e na maioria das vezes só recebemos muito mais tarde. E, corremos o risco de nem receber! Isso já me aconteceu. Mas independentemente disto, tens de pagar IRS, segurança social e Iva quando o volume de negócios é superior a 10.000 euros. (Sónia, 29 anos)

Trabalhei num supermercado durante 5 anos, terminei o contrato e mandaram-me embora. Fiquei a receber o subsídio de desemprego durante 1 ano e depois recorri à ADDECO. No entanto, não consegui emprego durante 2 anos. Vim para Portugal e inscrevi-me em várias empresas, mas nenhuma me chamou. Recorri, então, às empresas de trabalho temporário. (…)
Desde Junho do ano passado que estou inscrita em 3 empresas de trabalho temporário. (…)
chamaram-me e fiquei a trabalhar numa empresa durante 3 meses. Depois trabalhem Alcobaça durante 3 semanas e depois fui para uma empresa de plásticos trabalhar uma semana. De alguns meses para cá, chamam-me apenas alguns dias por mês. Nunca sei quantos dias vou trabalhar.
(Cristina, 27 anos)

Outras situações: trabalho sem qualquer tipo de direitos; desigualdades salariais entre homens e mulheres; despedimento de grávidas; desemprego…

Neste momento, o trabalhador é um boneco de produção nas mãos dos grandes grupos económicos, de grandes interesses e de uma procura selvagem e feroz do lucro. De um lucro que não é distribuído por todos que contribuíram para ele mas que é acumulado pelos níveis mais elevados da hierarquia das empresas. O mercado de trabalho não tem o Homem como centro mas o dinheiro e o Homem é encarado como instrumento, como uma peça, uma coisa que faz ainda mais dinheiro.
A realidade é inegável: ao mesmo tempo que existem pessoas a serem vítimas de exploração e de pobreza cada vez de forma mais dramática, existem outros grupos que aumentam cada dia os seus ganhos e lucros. São conhecidos os lucros fabulosos e escandalosos da banca perante o endividamento, salários baixos, desemprego,… dos trabalhadores mais humildes. Como entender esta realidade numa sociedade democrática? Que desenvolvimento e progresso é este? Que sociedade estamos a construir?

“Dada a interdependência cada vez mais estreita e a sua progressiva difusão por todo o universo, o bem comum, ou seja, o conjunto de condições da vida social que permitem, quer aos grupos, quer a cada um dos seus membros, atingir a sua própria perfeição de um modo mais total e mais fácil, toma hoje uma extensão mais universal e implica, por isso, direitos e deveres que dizem respeito a todo o género humano. Todo o grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros grupos e, mais ainda, o bem comum de toda a família humana.
Cresce ao mesmo tempo a consciência da eminente dignidade da pessoa humana, superior a todas as coisas e cujos direitos e deveres são universais e invioláveis. É, pois, necessário tornar acessível ao homem tudo aquilo de que este tem necessidade para levar uma vida verdadeiramente humana, como a alimentação, o vestuário, a habitação, o direito de escolher livremente o seu estado de vida e de fundar uma família, o direito à educação, ao trabalho, à reputação, ao respeito, a uma informação adequada, a actuar segundo a recta norma da sua consciência, à protecção da vida privada e a uma justa liberdade, inclusivamente em matéria religiosa.”
(GS, 26)

Perante esta realidade, por onde pode deve passar a nossa acção enquanto cristãos?
“A Igreja, porém, considera sua tarefa fazer com que sejam sempre tidos presentes a dignidade e os direitos dos homens do trabalho, estigmatizar as situações em que são violados e contribuir para orientar as aludidas mutações, para que se torne realidade um progresso autêntico do homem e da sociedade.” (LE, 1)

Promover a solidariedade entre os trabalhadores para lutar contra a degradação social do homem, a exploração e a crescente miséria e fome, sendo assim verdadeiramente a Igreja dos pobres, tendo nesta matéria um papel importante as organizações dos trabalhadores;

Perceber e ajudar outros a perceberem a empresa como comunidade de pessoas, em que colaboram e participam todos os seus elementos;

Anunciar a distribuição dos lucros das empresas como forma justa e verdadeira de partilha e de sentido de pertença a uma empresa;

Incentivar os trabalhadores à formação pessoal e académica para estarem mais preparados para fazer face às exigências do mercado de trabalho;

Denunciar as injustiças e desigualdades salariais e sociais gritantes existentes na nossa sociedade (o salário mínimo português é 403 euros) que excluem cada vez mais pessoas de terem acesso a bens essenciais como a habitação;

Denunciar a precariedade e temporalidade do trabalho pois estas realidades tornam toda a vida precária e temporária, nomeadamente a vida familiar e associativa;

Denunciar o desemprego como verdadeira calamidade social e humana pois ele representa a exclusão da pessoa humana da participação na Obra da Criação.

Leitura de um excerto do livro “O Profeta” de Khalil Gibran, sobre o trabalho.

Maria das Neves

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