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A Crise na Europa e a Igreja - Luís Salgado de Matos

Viriato Soromento Marques levou a sua amabilidade ao ponto de desafiar o catolicismo a contribuir para uma Europa melhor. Por um feliz concurso de circunstância julgo estar habilitado a responder-lhe com uma voz autorizada, a mais autorizada do catolicismo: a voz do Papa Francisco. 
A interpelação do Viriato compele-me a a responder-lhe e para isso não seguir as notas que tomei como base da minha intervenção e a improvisar [o presente texto é uma tentativa de reprodução de improviso]. Com efeito, na preparação deste colóquio, entre outras leituras, reli as comunicações do Papa Francisco â assembleia da União Europeia e ao Conselho da Europa, a 25 de novembro do ano passado. Ao relermos estes interessantes textos, saberemos qual a contribuição que o catolicismo está a dar para a Europa e como é recebida essa contribuição. 
O Sumo Pontífice considerou a Europa de três pontos de vista: estratégico, moral e religioso. Na perspetiva estratégica, tratou-a como uma derrotada na Segunda Guerra Mundial: classificou-a de «temerosa e autocentrada», «envelhecida», comparando-a a uma «avó» cansada; da perspetiva moral, disse-lhe não reduzir as suas preocupações à economia; «censurou « a falta de um apoio mútuo no seio da UE»; do ponto de vista religioso, considerou que ela não respeitava «a sacralidade da pessoa humana». Disse ainda que o homem estava a «ser reduzido a mera engrenagem num mecanismo que o torna um bem de consumo descartável»; condenou ainda o« individualismo e o consumismo», e manifestações deles, como a eutanásia, o abandono de idosos e o aborto. A mensagem papal teve um momento muito forte a propósito da imigração africana e médio-oriental para a Europa: « Não se pode tolerar que o mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério». Era uma diáfana alusão aos mortos, em particular à volta do fortim italiano na ilha de Lampedusa, que já fora o local da primeira viagem papal. Os media valorizaram esta frase. O Papa Bergoglio foi sempre exortando os europeus a vencerem as suas fraquezas e pecados. 
É pois claro o conteúdo da mensagem do Sumo Pontifice: propõe uma Europa respeitadora do homem e dos seus direitos, isto é, respeitadora da vida humana, seja qual for a sua idade e a sua pertença a uma maioria ou a uma minoria.
Qual foi a resposta da classe dirigente europeia? Agradeceu muito o desafio lançado pelo Papa – e esqueceu-o no dia seguinte. Não percebeu que as palavras do Papa, além de desafio, eram condenação. Não percebeu ou não quis perceber. Não tomou nenhuma ação concreta para corrigir os defeitos apontados pelo Sumo Pontífice. Entre nós, as palavras papais jnão tiveram o menor eco – para lá da momentânea cobertura mediática. 
Foi mesmo ocultada a crítica à falta de «apoio mútuo», crítica que evidentemente acalentaria o nosso país nas suas difíceis negociações com a UE. Foi ocultada por certo porque receamos ofender o patriotismo dos nossos credores, que procuramos ultrapassar sendo mais patriotas da pátria deles do que eles próprios. 
Está portanto dada a resposta ao desafio do Viriato: a Europa e os portugueses não querem saber dos conselhos e dos desafios do Sumo Pontífice. Ponto final parágrafo. Lamento ter que responder de modo tão pessimista ao estimulante desafio do Viriato. O diálogo oral, que se seguirá às nossas intervenções, será ocasião de debater estes problemas e estas teses. 
Os cristãos devem interrogar-se se se sentem bem em retomarem o papel de assassinos de pretos, agora nas águas do Mediterrâneo. Podemos discutir a concreta modalidade da nossa colaboração nesse assassinato, mas o facto de os navios que transportam os imigrantes clandestinos só se afundarem (ao que sabemos) nas proximidades da ilha de Lampedusa viola o cálculo das probabilidades; a imprensa europeia alimenta uma campanha contra os armadores desses navios, e salienta a má qualidade deles, mas a má qualidade, aliás por provar tendo em conta a mansidão do Mediterrâneo, apenas aumenta um pouco a probabilidade de um acidente à medida que cresce o número de quilómetros viajados. Esta aparente violação das probabilidades dá-nos por isso que pensar: as nossas responsabilidades morais naquele assassinato parecem maiores do que estamos dispostos a assumir. O que fica escrito para mais tarde não termos que perguntar: «Serei eu, Senhor?» (Mateus 26,25). 

Os textos acima comentados do Papa Francisco, para lá da autoridade que os reveste, são inteletualmente estimulantes; o leitor encontra-os nos endereços abaixo: 

http://pt.radiovaticana.va/news/2014/11/25/discurso_do_papa_ao_parlamento_europeu_em_estrasburgo/1112319 

http://pt.radiovaticana.va/news/2014/11/25/discurso_do_papa_ao_conselho_da_europa_em_estrasburgo/1112321 

O Catolicismo distancia-se da Europa

O cristianismo foi central na formação da Europa: predomínio inicial de Bizâncio, conversão dos povos europeus, é a Igreja Católica que trnasmite a cultura greco-romana e mantém a civilização; visão sistematizada pelo grande historiador católico do século XX, Christopher Dawson, The Making of Europe, 1ª ed. de 1956; trad. portuguesa da 2ª ed., Livraria Cruz, 1973.
O catolicismo foi crucial para estabelecer a atual unidade europeia; a 2 guerras mundiais tinham dilacerado o catolicismo europeu e a Santa Sé pretenduia evitar a repetição do conflito; conde a unidade europeia; os partidos democratas-cristãos alemão, francês e italiano têm nisso um papel crucial (em aliança com os socialistas e os liberais; convergência política com a maçonaria, a primeira); só resta a DC alemã e secularizada. 
São possíveis diversos diagnósticos da crise da Europa
Estratégico: a Europa continental perdeu a Segunda Guerra Mundial e não o compreendeu por virtude da sua riqueza; o que se passa hoje na Ucrânia é paradigmático; devido à globalização, a Europa perde peso na economia mundial, no comércio internacional, etc 
Moral: a Europa de Auschwitz, do Holocausto autotransformo-se por um passe de mágica na Europa do Estado social e do Estado Democrático de Direito; a Europa do totaluitarismo comunista foi eclipsada; mas esquece «der Gewalt der Vengangenheit», «ce passé qui ne passe pas» (Henry Rousso, a propósito de Vichy), como foi caraterizado o nazismo. A Segunda Guerra Mundial como tentativa de suicídio que afinal teve êxito. «Cadáver adiado que procria» (Fernando Pessoa) Il commença le 6 juin 1986, quand un texte du philosophe et historien Ernst Nolte fut publié dans la Frankfurter Allgemeine Zeitung : Die Vergangenheit, die nicht vergehen will («Le passé qui ne veut pas passer»). Il affirmait que le « meurtre de race » des camps d'exterminations nazis était une « réaction défensive » au « meurtre de classe » du système stalinien du Goulag. Papa Francisco no conselho da Europa : «temos hoje diante dos olhos a imagem duma Europa ferida pelas inúmeras provações do passado»; 
Religioso: operado pelo Papa Francisco. Esta condenação ganha sentido devido à estreiteza das relações cristianismo-Europa («Terra de Santa Maria», para designar Portugal de um ponto de vista religioso).
Visita do Papa Francisco ao Parlamento Europeu, 25 de novembro de 2014: 

http://pt.radiovaticana.va/news/2014/11/25/discurso_do_papa_ao_parlamento_europeu_em_estrasburgo/1112319 

«Chegou a altura de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e autocentrada» (que o site do PE interpreta como um apelo à liderança europeia).
O Papa Francisco exortou uma Europa “envelhecida”, que comparou a uma “avó” cansada, a não reduzir as suas preocupações à economia e a ultrapassar a crise e as tensões. O continente, disse, deve tornar-se, uma vez mais, “referência para a humanidade”, sendo, designadamente, capaz de acolher imigrantes. 
Num discurso, esta terça-feira, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o Papa falou numa “Europa um pouco fatigada e pessimista”. “Onde está o vigor? Onde está essa tensão em direcção a um ideal que inspirou a sua história e a fez grande?”, questionou o líder católico, citado pela AFP. “Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa assustada e curvada sobre si própria.” 
Francisco pediu aos decisores dignidade para os imigrantes, os idosos, os trabalhadores, os pobres e as minorias perseguidas. “Chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana”, disse, dirigindo-se directamente aos eurodeputados. 
O líder da Igreja Católica chamou também a atenção para o risco de o ser humano “ser reduzido a mera engrenagem num mecanismo que o torna um bem de consumo descartável” e denunciou o “tecnicismo burocrático” das instituições europeias. 
A imigração, outro dos temas caros a Jorge Bergoglio, cuja primeira viagem oficial foi à ilha italiana de Lampedusa – porta de entrada de milhares de imigrantes vindos do Norte de África para a Europa – foi igualmente abordada. “Não se pode tolerar que o mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério”, declarou, renovando o apelo então feito. A declaração desta terça-feira foi feita dias depois do salvamento de 600 pessoas que naufragaram quando tentavam alcançar a Europa. 
O Papa criticou “a falta de um apoio mútuo no seio da UE”, que dá azo à adopção de “soluções particularistas” e os impasses que têm impedido uma resposta coordenada dos 28 países às questões migratórias. 
A perseguição das minorias, “especialmente os cristãos”, no Médio Oriente mereceu também a atenção de Francisco: “O que gera a violência não é a glorificação de Deus mas o seu esquecimento”.
O líder católico denunciou ainda o individualismo e o consumismo. Numa condenação da eutanásia, do abandono de idosos e do aborto, falou do “caso de pessoas em fase terminal, idosos que são abandonados e deixados sem cuidados e crianças que são mortas no ventre da mãe”. 
A última visita de um Papa ao Parlamento Europeu foi protagonizada por João Paulo II, há 26 anos. Francisco recordou que “muita coisa mudou” desde então, e que hoje “já não existem blocos a dividir a Europa”. No entanto, o Sumo Pontífice nota uma Europa “envelhecida, que tende a sentir-se menos protagonista”
Socialistas e conservadores saudaram o apelo do Papa a um “despertar” da Europa. “Foi uma mensagem de verdade que deve acordar a Europa”, disse o presidente do grupo socialista, Gianni Pittella. “Devemos resistir à tentação do egoísmo e dar à Europa um novo começo fundado em valores e ideias e não no dinheiro e na economia”, afirmou o chefe da bancada conservadora, Manfred Weber. 
OS POLÍTICOS ARMARAM-SE EM PARVOS, FINGIRAM QUE NÃO ENTENDERAM.
O Papa distancia-se da Europa. É natural: é o primeiro Papa não europeu toma a atitude dos não europeus perante a Europa dos negócios. E vai de par com a redução drástica da prática dominical na Europa.

http://pt.radiovaticana.va/news/2014/11/25/discurso_do_papa_ao_conselho_da_europa_em_estrasburgo/1112321 

Elogia a paz; responsabilidades culturais das Europa; sempre se ergueu para o alto critica individualismo, « globalização da indiferença»; « À Europa, podemos perguntar: Onde está o teu vigor? Onde está aquela tensão ideal que animou e fez grande a tua história?»; « A história da Europa pode levar-nos a concebê-la ingenuamente como uma bipolaridade ou, no máximo, um tripolaridade (pensemos na antiga concepção: Roma - Bizâncio - Moscovo) e, dentro deste esquema fruto de reducionismos geopolíticos hegemónicos, movermo-nos na interpretação do presente e na projecção para a utopia do futuro.Hoje as coisas não estão assim e podemos, legitimamente, falar de uma Europa multipolar». É A EUROPA DOS POVOS que defende «diálogo das culturas».

Luís Salgado de Matos

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