O CRC é um espaço de diálogo entre cristãos de diferentes sensibilidades, e entre cristãos e não cristãos.

7 de outubro de 2020

45 anos do Centro de Reflexão Cristã: uma experiência libertadora da fé

Assinalaram-se, na segunda-feira, 45 anos do Centro de Reflexão Cristã. Para assinalar esta data os atuais presidente e vice-presidente fazem um balanço da ação do CRC, com um olhar confiante no futuro

O 45.º aniversário do Centro de Reflexão Cristã (CRC) é um ponto de chegada num caminho coletivo iniciado com a criação do CRC em escritura de 5 de outubro de 1975, mas é sobretudo um acontecimento portador de futuro, com a cada vez maior participação na sua vida de gerações nascidas depois da sua fundação.

 

O CRC foi criado num contexto de grande desconfiança relativamente ao cristianismo em geral e ao papel desempenhado pela Igreja Católica no Estado Novo. Nasceu num momento de rutura política, cultural, social, num tempo novo iniciado com o 25 de abril de 1974, marcado pela democratização e descolonização, que pretendiam criar condições para um verdadeiro desenvolvimento do país.

 

A vocação central do CRC era, conforme se lê nos estatutos originais, o “estudo da teologia para o crescimento na fé cristã, ao serviço da evangelização e da libertação do povo português”, e pode dizer-se que tem sido fiel a essa vocação, com concretizações e modelações diversas, procurando estar atento aos sinais dos tempos.

 

O CRC é uma associação de direito civil, não uma pessoa coletiva de direito eclesiástico e essa foi desde logo uma singularidade. As atividades do CRC foram refletindo as respostas dos seus membros e dirigentes às profundas mutações verificadas a todos os níveis ao longo destes quarenta e cinco anos.

 

Está por fazer o estudo crítico e rigoroso do que tem sido a sua intervenção, que tem mobilizado durante estas dezenas de anos milhares de pessoas, com larga predominância de pessoas que não são membros do CRC. O CRC tem sido por isso um espaço de diálogo entre cristãos de diferentes gerações e sensibilidades, mas também, entre crentes de diferentes confissões religiosas, entre crentes e não-crentes, muito antes dos Encontros de Assis e dos diálogos promovidos atualmente com os não-crentes.

 

A revista Reflexão Cristã, publicação iniciada em 1976 que se mantém ininterrupta, e as Conferências de Maio, com uma tradição também de mais de quarenta anos, são talvez as grandes marcas da intervenção pública do CRC. Nestas e noutras iniciativas participaram e participam cristãos e teólogos eminentes, mas também, judeus, muçulmanos, personalidades culturais de relevo das mais diversas orientações que aceitaram um diálogo transversal e aberto, como, por exemplo, entre muito outros, Eduardo Lourenço, Emília Nadal, Clara Menéres, Salete Tavares, Maria de Lourdes Belchior, João Bénard da Costa, António Alçada Batista, José Saramago, Natália Correia, Lídia Jorge, Óscar Lopes, Tolentino Mendonça, Anselmo Borges, Pedro Mexia; para além de membros do CRC, como Manuela Silva, Fernando Gomes da Silva, Sidónio Paes, Horácio Araújo, José Torres Campos, José Mattoso, João Resina, José Augusto Mourão, Peter Stilwell, José Manuel Pereira de Almeida, Guilherme d’ Oliveira Martins, Luís Salgado de Matos, Bento Domingues, entre outros.

 

Em todas as iniciativas, o CRC tem sido sempre fiel à visão libertadora para a teologia e a vida da Igreja e da sociedade, decorrente do Concílio Vaticano II. Não admira por isso a sintonia com os esforços do Papa Francisco para a renovação evangélica da Igreja e que tenha dado tanta importância aos questionamentos que a mutação social e cultural tem colocado à teologia.

 

A circunstância do CRC estar exclusivamente dependente da iniciativa e responsabilidade dos seus membros, o que não tem impedido uma colaboração e um diálogo com a Igreja e a participação nas suas atividades de vários bispos, incluindo naturalmente os bispos de Lisboa, permitiu-lhe ser pioneiro em muitos debates que se vieram a revelar determinantes.

 

Uma palavra de gratidão e saudade é aqui devida ao bispo Tomás da Silva Nunes, prematuramente falecido, que foi secretário do CRC antes de ser bispo auxiliar de Lisboa.

 

Recordamos, por exemplo, debates em que o CRC foi incubadora de projetos que se prosseguiram noutro quadro, nomeadamente sobre o papel das mulheres na sociedade e na Igreja, que deram origem a importantes encontros e publicações; os estudos pioneiros sobre a pobreza e a inclusão social promovidos pelo grupo interno do CRC então designado como Departamento de Pesquisa Social, com uma intervenção destacada de Manuela Silva e Alfredo Bruto da Costa; a continuada atenção à situação dos imigrantes e a defesa da sua dignidade e direitos; os primeiros diálogos entre cristãos, judeus e muçulmanos; a reflexão séria sobre a história da Igreja no ensino da história sob a sábia orientação de José Mattoso; uma atenção às criações artísticas, ao diálogo complexo entre o bem e o belo, com a participação pintores, filósofos, escritores e poetas; à dimensão cultural da vida; mais recentemente a preocupação com o meio ambiente e a ecologia integral que levou o CRC a integrar desde a sua fundação a Rede Cuidar da Casa Comum.

 

Outros caminhos pioneiros ficaram como marca de preocupação, mas tiveram de ser interrompidos, dado o CRC não ter condições para continuar a desenvolvê-los; recordamos, por exemplo os Cadernos de Estudos Africanos, dirigidos por Bento Domingues, que foram um espaço da teologia africana em língua portuguesa, ou a tentativa de promover iniciativas em Cabo Verde em colaboração com comunidades cristãs locais, que não puderam ter seguimento.

 

Cremos que uma das características que explica a persistência e a contínua renovação do CRC, é o facto de na sucessão das gerações surgirem cristãos, que sentem que têm o direito de contribuir com a sua reflexão para a presença na Igreja e na sociedade, que os leigos também ensinam na Igreja, e que sentem a necessidade de o fazer sob a sua própria responsabilidade numa abertura ao diálogo com outros cristãos e com a hierarquia, e com fiéis de outra igrejas cristãs, também presentes entre os fundadores do CRC, como o pastor Dimas de Almeida.

 

Quando dizemos que este aniversário é não apenas um ponto de chegada, mas também um acontecimento portador de futuro, temos presente que sentimos ainda a participação ativa de sócios fundadores e de membros de outras gerações que nos foram acrescentando; é de assinalar que neste momento integram os órgãos do CRC membros nascidos após a sua fundação, que irão cada vez mais desenhar o futuro do Centro de Reflexão Cristã.

 

O futuro não depende apenas desta renovação de gerações. Depende, e muito, de se interiorizarem as preocupações manifestadas por Manuela Silva na primeira assembleia geral, realizada em 15 de novembro de 1975, e que se foram atualizando ao logo das décadas. Dizia ela que o CRC se tinha constituído desde o início num espírito de cooperação e que, para além das críticas e propostas, era necessária a corresponsabilidade das pessoas empenhadas concretamente nas iniciativas do Centro sob pena de ser uma associação de pessoas de boa vontade, mas sem dinamismo próprio.

 

Estamos confiantes de que com o sangue novo que circula no CRC e a apropriação do seu projeto inicial por novas gerações, o CRC continuará a dar o seu contributo para uma reflexão cristã e uma prática cristã libertadora na Igreja e na sociedade portuguesa.

 


José Leitão e Inês Espada Vieira

 


Texto publicado no Ponto SJ

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