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11 de maio de 2015

Comunicação de Isabel Balbino - Igreja Serva e Pobre

Um novo olhar por uma janela antiga

Não é algo de novo que quero trazer. É algo comum que pretendo atrair à consciência. Talvez por isso, por ser comum, aquilo que quero partilhar convosco corre o risco de se esvanecer diante dos nossos olhos.
Há algum tempo defendi a minha dissertação em Psicologia Clínica, sobre Autenticidade e Bem-Estar. O arguente perguntou-me: “Que traz a sua dissertação de novo, em que acresce ao que já se sabe?” Fiquei perplexa pois a relevância dos resultados empíricos que obtive, tal como os li, não estava em algo novo ou surpreendente mas em algo que, em maior ou menor grau, nos acompanha desde sempre: auto alienação e não aceitação de si. São dois dados tão conhecidos, tão adquiridos que parecem inofensivos. Quem não se perdeu já em considerações sobre como seria a sua vida se tivesse outras condições, aptidões ou medidas? Quem não se queixa de algo que lhe falta ou tem a mais? A insatisfação é uma espada de dois gumes! Pode lançar-nos na Vida ou no Vazio.
Eis-me então perante o desafio de agarrar em algo quotidiano e insuflar-lhe interesse!

Tal como me foi proposto, vou referir-me aos Homens e Mulheres numa Igreja Serva e Pobre mas, antes disso, queria introduzir três palavras que me ajudarão a abordar o tema: Habituação, Guardar e Finitude. Vou ainda socorrer-me de algumas imagens da área da saúde e da psicologia, pois são as que me são mais familiares e penso que servem o propósito de fazer-me entender.

Habituação
É um processo mental saudável mas, como em tudo, ‘não há bela sem senão’. Em que consiste? Um exemplo simples: vivo há seis anos junto à linha de comboio de Entrecampos e perto do Aeroporto. No primeiro dia em que dormi na nova casa ouvi todos os comboios e aviões e não ‘preguei olho’. Agora não ouço comboios, nem aviões, nem carros e eles passam bem perto todos os dias. O som destes transportes tornou-se uma coisa tão adquirida, tão presente, tão comum que, pouco a pouco, foi-se esvanecendo da minha atenção e passou de (saliente) figura a (plano de) fundo. E ainda bem que é assim ou já teria enlouquecido...
A questão é que não nos habituamos só a estímulos desagradáveis ou perturbadores. Podemos habituar-nos a tudo o que está próximo, presente, que é constante no nosso dia-a-dia, incluindo as pessoas (rotina!). Os seus movimentos, a sua maneira de ser e pensar, o tom da sua voz pode tornar-se tão familiar que deixa de despertar a atenção e chegamos a dá-las por adquiridas. São pessoas inerentes ao nosso mundo e, imperceptivelmente, deixamos de dar por elas ou, pelo menos, pelo que elas representam para nós. Passam também de figura a fundo… Recuperam a ribalta ao nosso olhar quando, por alguma razão, percebemos quão significativas são como acontece nos sustos, nos acidentes, morte ou então em celebrações festivas em que elas são protagonistas.
Alienarmo-nos do que nos envolve (ou de nós próprios) pode ir do normal ao patológico. Todos nós já sonhámos acordados ou nos distraímos e isso é normal mas não conseguir recuperar a relação consigo mesmo, com os outros ou com o meio envolvente é patológico. Volto muitas vezes a uma imagem de Jeremias que me ajuda a despertar dos sonos do ser humano alienado: “Assemelha-se ao cardo do deserto, mesmo que lhe venha algum bem, não o sente, pois habita na secura do deserto, numa terra salobra, onde ninguém mora” (Jr 17,6).
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